Educar com amor e liberdade é uma obra coletiva de 24 mães e pais que foram desafiados a escrever ensaios sobre maternidade, paternidade e política. Organizada pela Associação Mães e Pais pela Democracia – AMPD, a obra trata de temas como: ser pai e ser mãe, racismo, masculinidade tóxica, trabalho infantil, economia, meio ambiente, o contexto de perseguição ideológica contra professores, as tentativas de impor nas escolas o pensamento único e contrário aos direitos humanos e à liberdade de aprender e ensinar, além da maneira como a Associação Mães e Pais pela Democracia foi criada e tocou a vida de cada família.
O grupo, formado por defensores da democracia e da liberdade, é suprapartidário e ficou conhecido como um movimento de resistência em defesa dos filhos. Este livro, na verdade, demonstra que, neste primeiro ano de atuação, foi bem mais do que isso. Foi protagonista de uma história coletiva que tem garantido a esperança para mães e pais, professores e alunos, sentida em aplausos, cumprimentos, gestos, palavras e sorrisos.
Prefácio de Diana Lichtenstein Corso.
Sempre infante democracia
Francisco Marshall
historiador e arqueólogo, alumni rosariense, professor titular da UFRGS.
“A democracia é como um bebê, frágil, cheio de graça e possibilidades, requer diariamente muito amor e cuidados. Criado com liberdade e responsabilidade, florescerá e frutificará para o bem dele e de todos.
Será que poderíamos dizer o mesmo dos bebês e crianças, que são como a democracia? Democracia significa esfera pública, mas nossas crianças são também um cantinho de doçura privada em um mundo em que há excesso de amargor, e queremos cercá-las de cuidados. Sabemos, contudo, que algum dia esses bebês andarão e logo correrão pela cidade, e as crianças se tornarão jovens prontos a voar pelo mundo. Então veremos que também nossas crianças são como a democracia, pois, cuidadas na intimidade de cada lar, podem levar consigo a força do amor e dos saberes, para transmiti-la e juntos construirmos a experiência da liberdade.
Eis porque uma escola deve ser também o lugar da democracia, construído com as virtudes que fazem todos florescerem; este sempre foi o sentido da democracia: abrir caminhos para que mais pessoas levem adiante sua força, para que a diversidade produza maior sensibilidade e inspire melhores soluções, para que a sadia disputa pública promova as melhores opções, e para que todos possam crescer com harmonia e solidariedade, na plenitude de seus direitos. Nunca temeremos deixar nossas crias em escolas que nutram os valores da democracia, nem duvidaremos de democracias que promovam os valores da educação.
A escola cresce quando faz viver a democracia, e também crescemos todos, pois a expressão dos jovens, com sua carga de intuição e atrevimento, é farol que aponta rumos e educa. Logo, das crianças vêm também sensibilidades necessárias e novos rumos para a vida e o mundo. Assim foi naquela manhã de 29 de outubro de 2018, em que jovens democratas desencadearam o movimento que nos traz a este belo livro e muitos feitos culturais plenos de sentido e beleza.
Haver mães e pais pela democracia significa que o melhor de nossa herança ancestral será transmitido como potência, e que filhas(os) e netas(os) saberão superar desafios e reinventar o mundo, com amor, saber, responsabilidade e liberdade. Eis o sentido destas páginas que escrevem novo capítulo da humanidade, como se cada letra e cada criança fossem a aurora de um futuro melhor – e são, e serão.”
Resenha, em O Globo, 23/11/2019
Frei Betto: Escola compartida
Eis aqui um exemplo de Escola Compartida, democrática, oposta à proposta de Escola sem Partido.
Confirmada a vitória de Bolsonaro em 29 de outubro de 2018, estudantes de Porto Alegre, alunos de uma escola pública (Aplicação) e três particulares (Marista Rosário, Bom Conselho e Santa Inês) promoveram manifestações contrárias ao eleito. Exibiram faixas com as cores LGBT+ e bradaram: “Seremos resistência!”
No Marista, outro grupo revidou vestido de verde e amarelo, empunhando a bandeira do Brasil e gritando “Mito” e “Fora PT”.
Pais bolsonaristas protestaram junto à direção das escolas e exigiram a expulsão dos manifestantes insatisfeitos com o resultado da eleição. O Marista esclareceu que a manifestação “foi espontânea e voluntária” e defendeu a liberdade de expressão: “Salientamos a importância de diálogo para a discussão sobre a promoção e a defesa dos direitos, fortalecendo a nossa missão de formar cidadãos comprometidos com a promoção da vida e da cultura de paz”.
O Aplicação emitiu comunicado “em defesa da liberdade de expressão, e considera o ambiente escolar e universitário como um lugar plural, de discussão e pensamento crítico”. Os outros dois colégios se posicionaram na mesma linha, ressaltando a isenção partidária.
O protesto dos jovens fez surgir, na capital gaúcha, a Associação Mães & Pais pela Democracia, suprapartidária, que acaba de lançar o livro “Educação com amor e liberdade — ensaios sobre maternidade, paternidade e política” (Tomo Editorial), organizado por Aline Kerber, socióloga especialista em segurança pública.
Os depoimentos reunidos são impactantes pelo modo como mães e pais, todos profissionais liberais com graduação universitária, declaram que anseiam ver seus filhos, quando adultos, livres de preconceitos e atitudes discriminatórias. Descrevem o que significa ser pai e mãe nessa conjuntura na qual ainda vigoram o racismo, o trabalho infantil, a perseguição ideológica e as tentativas de impor nas escolas o pensamento único contrário aos direitos humanos.
O movimento Mães e Pais pela Democracia reage contra os pais que, à porta das escolas e pelas redes digitais, defendem o medo, a educação acrítica, e até mesmo absurda, quando abraçam a hipótese de que “a Terra é plana”, e consideram a educação escolar mera mercadoria pela qual pagam e, portanto, se sentem no direito de tratar os professores como seus empregados.
Sublinha Diana Corso no prefácio, “como todos os ideais, a capacidade de ser democráticos se demonstra na prática: nossos filhos não se pautam pelo que dizemos, eles se formam a partir do que observam que realmente fazemos”.
Na Escola Compartida ou Compartilhada, pais, professores, alunos e funcionários se empenham na formação, não apenas de profissionais qualificados para o mercado de trabalho, mas, sobretudo, de cidadãos dotados de consciência crítica e responsabilidade social.
O Brasil precisa exorcizar, urgentemente, sua herança escravagista, que faz o patrão se julgar dono do funcionário; o doutor se considerar melhor que o analfabeto; o político mirar os eleitores como mera massa de manobra. Não há ninguém mais culto do que outro. Existem culturas distintas e socialmente complementares. O juiz é mais culto do que a cozinheira analfabeta? Faça-se a pergunta: quem pode prescindir da cultura do outro? É um engodo confundir escolaridade com cultura. Grandes atrocidades foram cometidas por pós-doutorados, como as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.
Sem base ética e liberdade de expressão, a educação se torna mero adestramento para fomentar, na expressão de La Boétie, a “servidão voluntária”, o que será agravado com essa nova medida do governo Bolsonaro de criar um canal para receber denúncias contra professores. Eis o Ministério da Deseducação.